O Grátis Pesa. E muito!

Ariely
Dan Ariely

Em seu livro Previsivelmente Irracional, Dan Ariely abre nossos olhos com relação à Economia Comportamental, uma área de pesquisa desconhecida por muitos, que busca explicar através de fatores sociais, cognitivos e emocionais, como é que nós decidimos comprar ou não algo. Ele prega que nós achamos que somos muito racionais no momento da compra (excetuando aquelas compras de impulso), mas ele prova que não só somos extremamente irracionais, como também repetimos os mesmos padrões de irracionalidade. O que nos torna previsivelmente irracionais. Essa é uma obra clássica do marketing, onde o autor aborda a questão da precificação relativa, da falácia da demanda e procura, relações mercadológicas e sociais, o peso do grátis, entre muitas outras coisas. É sobre esse último e sua aplicação no mercado dos jogos que irei falar hoje.

O grátis não é só mais um preço, como R$1 ou R$0,10. Ele é um estado emocional. Quantas coisas nós já não pegamos porque eram de graça? Quem nunca entrou numa fila por algo que não precisava, simplesmente por ser de graça? O poder do grátis me pegou outro dia: a Origin disponibilizou Dragon Age: Origins gratuitamente no seu ‘Por Conta da Casa’ e eu, que nunca liguei para jogos do tipo, fui lá baixar. Ué, era de graça! E então surgiu a ideia deste texto…

Um Experimento

No livro, Dan Ariely relata uma experiência que fez com chocolates. Sendo professor de uma prestigiada universidade americana, o autor abriu uma pequena banca de venda de chocolates no campus. Ele vendia dois tipos: uma deliciosa trufa da marca suíça Lindt, por $0,15 e o comum Hershey’s Kiss (tinham o mesmo tamanho e peso) por $0,01. A trufa de Lindt a esse preço é uma barganha até para os americanos. Os alunos que quisessem comprar, só poderiam escolher um dos dois. O que acham que aconteceu? 73% escolheram a trufa, porque o preço estava muito bom para um chocolate importado e apenas 27% escolheram o Kiss.

O professor Ariely resolveu então diminuir em 1 centavo o preço de cada chocolate: agora o Lindt custava $0,14 e o Kiss da Hershey’s $0,00. Vocês acham que o grátis fez diferença? Se fez! Apenas 31% dos estudantes escolheram o Lindt e 69% escolheram o Kiss agora que este era gratuito. Mas o que aconteceu aqui? Ambos os preços foram baixados em 1 centavo, então a relativa diferença de preços entre os dois não mudou, bem como o prazer que se espera ao comer cada um deles. De acordo com teorias econômicas padrão (análise simples de custo benefício), a redução de preço não deveria ter mudado tanto a porcentagem de escolha. Mas, como falei no início, zero não é só mais um preço

O Caso Amazon

Gostaria de citar também o estudo de caso proporcionado pela famosa livraria online. A Amazon.com passou a oferecer frete grátis para compras acima de um dado valor, digamos, $30. Com isso, eles perceberam que as pessoas estavam pedindo mais livros por pedido em média, para chegar aos $30 que lhe davam direito ao frete grátis. E assim a livraria aumentou em muito seu ticket médio. Todas as outras Amazons do mundo seguiram esse caminho e todas viram um aumento de livros por pedido e ticket médio. Menos a Amazon França. Eles resolveram que ao invés de oferecerem o frete grátis, ofereceriam frete a – na época – 1 franco, o que equivale a 20 centavos de dólar, para compras acima de um dado valor. É inegável que isso é um ótimo negócio, afinal, fretes normalmente custam bem mais que isso! $0,20 é quase de graça, #sqn. E o resultado foi que as vendas na França não aumentaram. Ou seja, pessoas no mundo todo estavam dispostas a pedir mais livros do que planejavam ou precisavam inicialmente, simplesmente porque o frete sairia de graça, mas não estavam dispostos a fazer isso para pagarem apenas $0,20 no envio. Não existe meio grátis, assim como não existe meio grávida…

E no mundo dos games?Por Conta da Casa

Não é de hoje que a indústria dos jogos descobriu o poder do grátis com os jogos Free to Play. Quantos de nós já não baixamos jogos gratuitos no nosso celular que nem queríamos? Não custa nada, né? Literalmente… Sem a barreira do preço, muitos games se destacaram e conseguiram uma legião de fãs fiéis (e depois muito, muito dinheiro com IAPs – in app purchases). Isso não quer dizer que fazer um jogo porcaria qualquer e colocá-lo de graça será suficiente para que ele seja bem-sucedido. É claro que, além de gratuito, o jogo tem que ser bom, senão os jogadores não voltarão a jogar. O preço zero é só o fator de atração inicial, ele não é um modelo de negócios.

Um exemplo ainda mais forte é o caso que citei acima do ‘Por Conta da Casa’ da Origin e iniciativas como o ‘Free Weekend’ da Steam. No primeiro, o jogador é atraído por um jogo – já antigo – gratuito e acaba virando cliente da plataforma mais para frente. No segundo, o gamer tem um fim de semana para jogar alguns games de graça e, no processo, se “vicia” em alguns deles e acaba comprando-o ao final do fim de semana, para poder continuar jogando.

Não sei o que acham dessas iniciativas, mas com certeza elas se tornarão mais comuns, pois existem milhares de outras formas poderosas de se usar o grátis, pois ele é, acima de mais nada, uma estratégia de marketing.

Author: Paula Neves
Especialista em marketing digital, pós-graduada em gestão do entretenimento. Foi gerente de marketing do Camiseteria.com e da Nano Games, responsável pela aquisição, retenção e monetização dos jogadores do game Favela Wars. Hoje é head de marketing e desenvolvimento de produto da Gazeus Games, a maior desenvolvedora de jogos mobile casuais e sociais do Brasil.

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