A História dos Advergames

Não há como abordar os advergames sem lidar com um aspecto presente no senso comum quando se fala de jogos eletrônicos: há um pressuposto comum de que todo jogo eletrônico é voltado para crianças, ou para um público infanto-juvenil. Apesar de haver uma parte dos jogos voltada para este público, não há como afirmar que todos jogos eletrônicos são voltados para este ou aquele público e, por conseqüência, o mesmo vale para os advergames. Para compreendê-los enquanto estratégia de comunicação, evitou-se aqui orientar o olhar como se o conteúdo fosse voltado para um tipo de público em particular. Afinal, fazê-lo seria o mesmo que apontar que o meio “revista” ou “cinema” é exclusivo para este ou aquele público, quando, na verdade, os recortes de público consumidor variam mais conforme o conteúdo e menos conforme a mídia em si.

Feitas as devidas ponderações a respeito do olhar que este estudo tem sobre os advergames, apresenta-se a seguinte questão: Por ser um formato ainda no início de sua utilização pelo campo publicitário, seria hoje o advergame uma estratégia apenas utilizada para suprir certo desejo das marcas de acompanhar novidades e ocupar espaço, como aconteceu nos anos 1980 e ainda se percebe hoje?

Não há como negar que há jogos com essa característica, aparentemente feitos apenas para que se “participe da onda”. No entanto, os advergames bem construídos, geralmente componentes de uma estratégia publicitária maior, vêm a complementar de modo importante todo o conjunto de experiências de consumo de marca e, por isso, são acessados e divulgados por consumidores. É possível afirmar que o advergame teve seu “momento bolha” no início dos anos 1980 e que impactou negativamente, à época, a indústria dos videogames. Foi neste momento que surgiram os primeiros advergames, porém não exatamente como conhecemos hoje.

Breve histórico dos advergames

O console Magnavox Odyssey vinha com fichas, cartas e outros componentes. James Rolfe fez um vídeo da sua experiência com este videogame neste link

Foi ao longo dos anos 1970 que a indústria do videogame se consagrou como meio de entretenimento, com uma grande explosão de jogos eletrônicos e aparelhos surgindo nos anos seguintes, até chegarmos às cifras em vendas notadas hoje que ultrapassam as médias dos ganhos de Hollywood[1]. O primeiro aparelho lançado, o Magnavox Odyssey em 1972, não teve o sucesso esperado. A indústria do jogo eletrônico só entraria na casa dos milhões de dólares com o Atari 2600, lançado em 1977, seguido de tantos outros aparelhos semelhantes. Foi a partir daqui que o aparelho virou sonho de consumo, de modo que muitos lares americanos (e um pouco mais tarde, os brasileiros) possuíam algum videogame.

 

Os ganhos da indústria eram altos, mas não para os programadores de jogos, que observavam o enorme sucesso de suas produções sem receber nenhum tipo de reconhecimento por isso, nem financeiro, nem profissional. Na época, começaram a exigir que ao menos houvesse algum tipo de ganho de royalties, como ocorria na indústria do cinema ou da música, mas não eram atendidos. É neste contexto que, insatisfeitos com certas políticas da empresa em que trabalhavam, alguns dos programadores dos jogos da Atari se unem para formar uma softhouse que apenas produziria games, sem vínculo com a indústria produtora do hardware. Esta empresa foi nomeada Activision.

Nolan Bushnell, fundador da Atari, estava mais para um empreendedor do que um estudante de engenharia. Enquanto os gamedesigners e engenheiros dos anos 1970 rachavam suas cabeças para fazer jogos, Bushnell ficou famoso por saber comercializar o jogo eletrônico como forma de entretenimento, marcando então o nascimento de uma indústria

Esta iniciativa atrapalhava os negócios da Atari, que perdia exclusividade na venda de jogos para seus milhões de aparelhos espalhados por todo país. Por isso, a Atari moveu-se com o intuito de impedir as vendas da Activision, processando a empresa, mas não obteve sucesso. É a partir deste momento que ocorreu uma importante mudança no cenário industrial de games nos Estados Unidos que acabou por criar os primeiros advergames.

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Uma foto da equipe da Activision em 1980. Nesta foto estão os ex-programadores da Atari que fundaram a empresa – acima, da esq. p. dir.: David Crane, Larry Kaplan e Alan Miller. Na fila logo baixo, à direita, o quarto sócio-fundador-programador Bob Whitehead

Na época, por decisão judicial, permitiu-se que qualquer empresa produzisse jogos para qualquer aparelho de videogame. Isso fez com que o mercado fosse inundado de jogos de diversos tipos, muitos deles com uma qualidade baixa. Aliado ao barateamento e divulgação dos computadores pessoais, o que configurava um fortíssimo competidor para os videogames,muitos fabricantes de aparelhos na época viram suas vendas caírem drasticamente. Isso fez com que a produção de jogos eletrônicos se tornasse suficientemente barata. Além disso, na época, o game já se configurava como um elemento cultural suficientemente difundido, revelando uma série de programadores mirins que se dispunham a produzir games para pequenas empresas contratantes, surgindo assim os primeiros advergames.

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Um dos primeiros advergames da história, Pepsi Invaders, para Atari VCS

Neste período, não existiam jogos deste tipo voltados ao mercado brasileiro, já que não haviam aqui indústrias fabricantes de games ou de softwares que poderiam viabilizar algum tipo de negociação entre agência anunciante e desenvolvedora de programas.

O leitor pode se perguntar qual a importância de observar o histórico dos advergames nos Estados Unidos. Esse instante da história é menos importante por conta do lugar em que ocorre do que pelo cenário que ele apresenta, pois sugere que a publicidade já observava o jogo eletrônico como um potencial espaço para anúncio de produtos. Por estarmos num período que se buscava a diferenciação de ofertas principalmente através da comunicação, os games surgiram naquele instante como uma estratégia possível para se atingir este objetivo. No entanto, fatores como a popularização dos computadores pessoais, as diversas alterações nos meios de comunicação convencional, custos de produção etc. fizeram com que esta estratégia parecesse menos interessante do que outras possíveis, naquele instante.

Hoje, por conta da internet, sua rápida expansão e os diversos benefícios em custos de produção e distribuição de conteúdo que isso gera, bem como a própria evolução dos hardwares e softwares que permitem cada vez mais possibilidades com menos trabalho para programadores, os advergames estão se tornando estratégias cada vez mais relevantes dentro das campanhas publicitárias. No entanto, as relações entre a publicidade os conteúdos no ciberespaço (dadas suas próprias características) fazem com que quaisquer cruzamentos semelhantes sejam nomeados deadvergames, como alguns banners interativos ou de certos websites mais animados.  Mas mais importante do que estudar tecnicamente o advergame para formatarmos uma definição é estudá-lo como um tipo de jogo que tem o objetivo de comunicar algo para seu jogador, utilizando o entretenimento como meio, e não como fim.

Texto baseado em BERIMBAU, Mauro. Advergames: Comunicação e consumo de marcas, 2010. 136 f. Dissertação (Mestrado em Comunicação e Práticas de Consumo) – PPGCOM ESPM, Escola Superior de Propaganda e Marketing, São Paulo

[1] Cf. Steven MALLIET, Gust de MEYER. The history of vídeo game. In: Joost RAESSENS, Jeffrey GOLDSTEIN. Handbook of computer game studies. P. 23 a 45.

Fonte: www.mauroberimbau.com.br

Author: Mauro Berimbau
Mestre em comunicação e consumo pela ESPM, com o tema "Advergames: comunicação e consumo de marcas". Lecionando na mesma instituição, pesquisa sobre jogos eletrônicos, entretenimento e marketing e mantém o laboratório de desenvolvimento e pesquisa lúdica GameLab ESPM. Fã e colecionador de videogames. Pesquisador nos campos de: ad-making, marketing, Cyber-cultura e games, especificamente a compreensão dos games como mídia.

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